20.6.14

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Grande parte da boa produção nacional de cinema se consolidou com a criação da Companhia Cinematográfica Vera Cruz, que determinou um novo padrão de qualidade e lançou estrelas como Eliane Lage e o comediante Amácio Mazzaropi. 




Vera Cruz, a Hollywood brasileira
A criação da Companhia Cinematográfica Vera Cruz, há 60 anos, determinou um novo padrão de qualidade para o cinema nacional e lançou estrelas como Eliane Lage e o comediante Amácio Mazzaropi
Jeanne Callegari e Érica Georgino | 09/05/2013 14h52
Franco Zampari estava sempre muito ocupado em seu escritório da rua Major Diogo, no centro de São Paulo. O italiano vivia com os bolsos do paletó forrados do analgésico Optalidon, indicado para dores agudas. Ainda que a dose máxima recomendada fosse de quatro comprimidos por dia, ele costumava mastigar o medicamento e engolir toda a cota de uma vez. Zampari tinha motivos para que as enxaquecas persistissem. Ele se lançara como mecenas e administrava dois grandes empreendimentos - o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), cuja sala de espetáculos ficava no mesmo endereço, e a Companhia Cinematográfica Vera Cruz, com estúdios em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo.

No fim da década de 1940, a capital paulista vivia um momento de ebulição cultural. A burguesia, enriquecida pela industrialização durante a Segunda Guerra, abriu o cofre. Assim surgiram o Masp (1947), o MAM (1948) e o TBC, em 1948. Só faltava florescer o cinema. A Companhia Cinematográfica Vera Cruz nasceu nesse cenário, no fim de 1949. O projeto, encabeçado por Zampari, pretendia dar ao cinema brasileiro qualidade e projeção internacionais. O amigo e empresário Ciccilo Matarazzo aderiu à causa e doou o terreno onde foram montados os estúdios de São Bernardo.

Na época, já existiam outras produtoras nacionais, como a Atlântida, que fazia chanchadas populares, e a Cinédia, que lançara musicais nos anos 30. Mas, na visão dos mecenas ítalo-paulistanos, isso era pouco. "As chanchadas não tinham boa acolhida da crítica, que usava como parâmetro o cinema europeu e norte-americano", diz o crítico José Geraldo Couto.

Para coordenar a Vera Cruz, Zampari convidou Alberto Cavalcanti, documentarista brasileiro bem-sucedido no exterior. Ele buscou na Europa seu time de técnicos. Eram ingleses, austríacos, alemães e, claro, italianos como Adolfo Celi, que já era diretor no TBC. "Do planalto abençoado para as telas do mundo" era o slogan da companhia, dando mostras de sua ambição: atingir padrões - e o mercado - internacionais. Não se poupavam gastos. Câmeras, cenários, tudo era do bom e do melhor. Os primeiros meses da Vera Cruz foram, contudo, caóticos. A empolgação superava o senso prático. Havia muito dinheiro, mas não existia estrutura contábil; havia uma secretária poliglota, mas ninguém contratara um office-boy.

Assim a empresa rodou o primeiro filme: Caiçara, lançado em 1950. Enquanto uma produção carioca da época custava entre 800 mil e 1 milhão de cruzeiros, a película da Vera Cruz consumiu dez vezes mais. O valor superou até mesmo o capital inicial da companhia: 7,5 milhões de cruzeiros, cerca de 2 milhões de reais.

Filmado em Ilha Bela (SP), Caiçara trazia qualidade técnica e atores de primeira linha. A protagonista foi Eliane Lage. "Era um período muito criativo, de bastante entusiasmo, uma fase em que boa parte da sociedade paulista estava envolvida no sonho de construir uma indústria cinematográfica no Brasil", diz Eliane, colega de Tônia Carrero, Anselmo Duarte e Alberto Ruschel na Vera Cruz. A estrela animava os almoços e jantares com autoridades promovidos nos estúdios por Franco Zampari na esperança de conseguir apoio e patrocínio para o projeto. O italiano era muito presente. "Ele participava do processo de montagem de todos os filmes. Às vezes caminhava pelos estúdios para lá e para cá; dava uma paradinha, refletia e, sempre fumando, retomava seu vaivém", afirma o montador Mauro Alice. "Eu imaginava a quantidade de cifrões e preocupações que ele trazia na cabeça."

Luz, câmera... inovação

Acusada por críticos de não desenvolver uma linguagem própria, a Vera Cruz inovou em pelo menos dois casos. Um foi a descoberta de Amácio Mazzaropi para o cinema. "Foi uma das grandes coisas boas da Vera Cruz. Artista bem brasileiro, que depois se tornou um atrativo de público", diz Couto. O outro foi O Cangaceiro, de Lima Barreto. Temperamental, ele insistiu por anos para rodar um filme com temática nacional; foi o maior sucesso da Vera Cruz. A empresa construía sua marca nos detalhes. Na cena final de O Cangaceiro, por exemplo, o mocinho Teodoro é alvejado pelas costas e, trôpego, se apoia em uma árvore. Instalado nos galhos estava um rapaz, que passou um dia inteiro de filmagens lá em cima acompanhado de um saco de folhas. A cada tomada ele jogava um punhado sobre Alberto Ruschel para imprimir veracidade à cena. A obra foi premiada como melhor filme de aventuras no festival de Cannes. Segundo Galileu Garcia, assistente de direção do filme, a moda "cangacerrô" varreu Paris, onde as moças passaram a usar sandálias e bolsas no estilo da película.

Mas nem o sucesso do filme, nem a arrecadação de 200 milhões de dólares foram capazes de salvar a companhia do buraco. As enxaquecas de Franco Zampari pioraram em 1954, quando o Banespa passou a cobrar as dívidas da companhia. Ele se afastou e nunca mais se recuperou do golpe. Do brilho original da Vera Cruz, ficou o legado. Seus técnicos estrangeiros ajudaram a formar aqui uma nova geração de profissionais. O padrão de qualidade foi elevado e abriu-se caminho para uma linguagem verdadeiramente nacional, que culminaria no Cinema Novo.

Franco Zampari

O engenheiro italiano veio para o Brasil trabalhar na metalúrgica do amigo Ciccilo Matarazzo. Aos 51 anos abandonou a empresa para se dedicar à criação da Vera Cruz, depois de lançar o Teatro Brasileiro de Comédia. Consumiu todo seu patrimônio nos dois projetos. Morreu em 1966.

Tânia Carrero

Nos anos 1940, era musa de Ipanema e atriz do cinema e do teatro carioca. Mudou-se para São Paulo em 1951, atuando na Vera Cruz e no Teatro Brasileiro de Comédia. Mais tarde, fundou uma companhia teatral em parceria com Adolfo Celi e Paulo Autran. Também fez sucesso na TV.

Mazzaropi

Quando estreou no cinema com Sai da Frente, já tinha quase 20 anos atuando como "caipira cômico" em circos, teatros, rádio e TV. Mas o cinema virou sua paixão e ele fundou, em 1958, sua própria produtora. A empresa se tornou uma das maiores do país à época.

Anselmo Duarte

Ao chegar à Vera Cruz, já era o "o maior galã do cinema nacional" por sua atuação nas chanchadas da Atlântida. O contato com os técnicos da companhia paulista foi decisivo para ele, que virou diretor. Com O Pagador de Promessas, venceu o Festival de Cannes (1962).

Eliane Lage

Trabalhava em projetos sociais quando foi convidada para fazer um teste para Caiçara, estreia da Vera Cruz. Foi aprovada e virou atriz. Fez mais três filmes e, após deixar a companhia, atuou em Ravina (1958) e no seriado A vida com Eliane, da TV Tupi. Depois, abandonou a carreira artística.


Os clássicos

Na fase áurea, a Vera Cruz produziu 18 filmes. Conheça os principais:

Caiçara

Ano: 1950

Diretor: Adolfo Celi

Elenco: Eliane Lage, Abílio Pereira de Almeida, Mário Sérgio

Por que é importante: Primeiro filme da Vera Cruz, conta o drama de uma jovem que se casa com um homem autoritário em uma aldeia de pescadores.

Tico-Tico no Fubá

Ano: 1952

Diretor: Adolfo Celi

Elenco: Anselmo Duarte, Tônia Carrero, Marisa Prado

Por que é importante: É a primeira superprodução da Vera Cruz. Narra a vida do compositor Zequinha de Abreu, com base em sua música mais famosa. Mostra suas paixões e o desejo de sucesso interrompido pela morte.

Sai da Frente

Ano: 1951/1952

Diretor: Abílio Pereira de Almeida

Elenco: Amácio Mazzaropi, Ludy Veloso, Leila Parisi

Por que é importante: Estreia de Mazzaropi no cinema. Na comédia, ele faz o papel de um motorista de caminhão que vive muitas trapalhadas. É sucesso de público.

O cangaceiro

Ano: 1952

Diretor: Lima Barreto

Elenco: Alberto Ruschel, Marisa Prado, Milton Ribeiro

Por que é importante: O filme, sobre dois cangaceiros que lutam por uma professora, é o maior sucesso da companhia, visto por milhares de pessoas. Eleito o melhor filme de aventura em Cannes (1953).

Sinhá Moça

Ano: 1952/1953

Diretor: Tom Payne e Osvaldo Sampaio

Elenco: Anselmo Duarte, Eliane Lage, Ricardo Campos

Por que é importante: A história da filha de fazendeiro que luta pela causa dos escravos atrai o público e conquista prêmios como o Leão de Bronze em Veneza.

Floradas na Serra

Ano: 1953/1954

Diretor: Luciano Salce

Elenco: Cacilda Becker, Jardel Filho, Miro Cerni

Por que é importante: Último filme da fase clássica da Vera Cruz, conta a história de uma moça com tuberculose que se apaixona por um rapaz. O clima melancólico reflete a situação da companhia.


E o sonho continua

Herdeiro lança DVDs e tenta reerguer a Vera Cruz

Em 1954, o Banespa cobrou os empréstimos que fizera à Vera Cruz. Franco Zampari teve de entregar a maioria dos seus bens, arrolados como garantia, e se afastou da companhia. Era o fim da fase clássica . Mas o banco nomeou Abílio Pereira de Almeida, produtor e diretor da companhia, para gerenciar a cinematográfica. Ele criou uma nova empresa, a Brasil Filmes, e produziu sete títulos usando a estrutura da Vera Cruz. Nos anos 1970, a companhia estava, de novo, à beira de ser fechada, mas os irmãos cineastas Walter Hugo e William Khouri decidiram salvá-la. Adquiriram várias cotas de acionistas minoritários e assumiram a empresa, que produziu filmes até 1976. Hoje, sob a gestão de Wilfred, filho de Walter Hugo, a Vera Cruz dedica-se a relançar seus títulos em DVD, preservar o acervo e já prepara novas produções, como um documentário sobre Lima Barreto.


Saiba mais

LIVRO

Vera Cruz - Imagens e História do Cinema Brasileiro, Sérgio Martinelli, Abooks, 2003

Ilustrado com fotos e cartazes dos filmes, traz depoimentos de pessoas que participaram da companhia.


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